PRISCILLA BRASIL

As entrevistas desta seção foram realizadas para dissertação de mestrado de Ramiro Quaresma da Silva, idealizador e curador do site, para o Programa de Pós-graduação em Artes (PPGArtes) do Instituto de Ciências da Arte (ICA) da Universidade Federal do Pará (UFPA), intitulada “O site cinematecaparaense.org e a preservação virtual do patrimônio audiovisual: uma cartografia de vivências cinematográficas”.

 

545721_10200564099124027_718072391_nEntrevistado: Priscilla Brasil

Data:  09 de Abril de 2015

Local: Greenvision /Companhia Amazônica de Filmes

 

Quando eu comecei era na casa da minha mãe, era muita loucura, assim com tá aqui muita gente entrando e saindo como aqui fazendo coisa e etc., só que lá era um esquema menos profissional aqui eu estou tentando implementar friamente o que eu sempre quis, eu escrever meus projetos, fazendo tudo, pesquisando, executando…e quando eu passava para executar não tinha mais tempo de escrever, o tempo passava e não conseguia fazer um esquema profissional.

Essa pré produção são dez etapas antes de começar a botar a fita na câmera.

Eu sempre trabalhei com equipe muito reduzida, diferente do povo aqui minha equipe sempre foi menor que a de todo mundo. A menor de todas. Não gosto de equipe grande. Me agonia a pessoa parada no set, é ruim, não gosto.

Tu sempre teve multifuncionalidade desde a ideia cinematográfica, faz câmera, faz edição.

Faço som, faço câmera, edito, pré produzo, produzo executivamente, presto conta, eu faço tudo. A pessoa fazer tudo acaba que ela não consegue fazer bem, agora eu tô tentando fazer diferente. Que é montar um núcleo de projeto, eu tô tentando de verdade. A gente construiu 21 projetos em seis meses.

Tem um edital para isso, agora não basta tu montar uma equipe para uma coisa, mas para uma vida inteira.

Já meio implantou sem o recurso mas estamos tentando fazer isso fortemente. Com projetos muito consistentes. Três roteiros avançados completos de longa-metragem, um projeto de série muito consistente, um foi chamado pelo Rodrigo Teixeira para um projeto do Karim Ainuz, nosso sócio acabou ganhando o NetLab. O Rodrigo contratou a gente para escrever outro roteiro.

Nas minhas pesquisas sempre identifiquei em Belém uma carência de roteiristas.

Muita, enorme. Montando o Núcleo a gente tem tudo isso, o designer, os pesquisadores que dão base para esse roteiro, pesquisa de personagem de como é o universo, os roteiristas, agora entramos com o story board…

Quanto mais coisas tu dá na mão de quem vai avaliar compreender o que tu está querendo fazer mais agente tem chance. Esse documento que a gente cria visual que vai junto com o roteiro ele aponta uma série de coisa que o roteiro não aponta. O universo estético, e como nosso universo estético é diferente do resto do Brasil eu apresento essa solução estética. Depois disso a gente entra na terceira fase que é tentar colocar no story board das cenas principais, empírica né, mas já chegando no procedimento que a gente já acha que vai dar num projeto desenvolvido para ser viabilizado por TV a cabo, de qualquer forma. Minha ideia é que a gente seja considerado profissional em qualquer lugar do mundo.

A gente começou de uma maneira muito maluca diferente de todo mundo eu acho, a gente só vai agregando mais gente. Toda vez que eu volto vem um monte de gente junto comigo. O Brunno (Regis) que abriu a Muamba, a Débora (MacDowell) que começou na música comigo e foi para Muamba, o André Morbach que começou comigo e também tá na Muamba, essa pessoas todas estão agregadas no clipe da Gaby (Amarantos). Todas elas começaram comigo em alguma doidice, como estagiário de produção, eu sempre gostei da pessoa que tem vontade de fazer mesmo que ela desconheça o que está fazendo.

Tu aprendeste fazendo.

Quando eu fiz a “Filhas da Chiquita” eu era arquiteta.

Falando da “Filhas da Chiquita”, como ele entrou na tua vida

Eu tava passando, acompanhando a trasladação com minha mãe e quando eu passei pela paraça da República eu vi que tinha uma movimentação muito esquisita, vi um mente de drag, “o que é isso que está acontecendo na minha cidade e eu nunca vi isso na minha vida!” Eu passei e vi um monte de gente passando assim (cabeça virada) olhando pro outro lado, como se ela nunca existisse e fingiam que ela não existia. Eu que me considerava uma pessoa informada e que entendia que era Belém, passei em 2002 e não sabia o que era. Que tinha uma manifestação que eu nunca tinha ouvido falar, eu uma pessoa de classe média, família mais tradicional, não chegava isso na minha casa. Eu fiquei absurdamente impactada por aquilo, comecei a tentar entender aquilo que eu vi. Quando descobri que era uma manifestação que acontecia a muito tempo e estava naquele momento para acabar, estavam revoltados. Aí o IPHAN veio e tombou o Círio com a Festa da Chiquita junto. E logo depois de eu ter percebido, um ano ou dois eu resolvi fazer esse filme. Eu nunca fiz filme, não sei fazer filme, não faço a menor ideia de como seja, mas estou aqui e vou pegar essa PD 150 (câmera Sony) emprestada por duas horas por dia, e foi a (produtora) 3D que me emprestou para filmar. E era hora do almoço deles e eu ia filmar. Se der certo deu se não sou só eu mesmo e mais três amigos, a gente vai gastar um cheese-burguer e as fitas, e a gasolina do meu carro. Foi fazendo, fazendo, eu peguei um material grande, nem era grande pois eu tinha a câmera de meio-dia às duas da tarde. A janela que eles almoçavam.

E a edição depois? Tu já tinhas ilha?

Eu não tinha ilha, me perguntei como é que vou fazer. Não tenho condições de pagar. Comecei a fazer outros trabalhos e consegui comparar uma ilha, aí me perguntei quem vai montar? E tive que aprender. Aprender a corrigir cor.

E o som, foi captação direta da câmera?

Não, tinha um microfonezinho que era muito vagabundo, com lapela e só. Aprendi a dar um jeito no som e dar um jeito na imagem. Aprendi a colocar plug in para ficar interessante. Aprendi tudo isso. Para eu fazer tive que aprender. Coisa que naquela época era impensável, lembro várias vezes as pessoas dizendo: como assim tu vai fazer tudo? Como tu vai aprender a editar para terminar o filme? Diretor não pode editar! Isso não entrava na minha cabeça. Eu achava que eu podia fazer tudo.

Eu tenho conversado com os realizadores sobre a primeira obra, não vai ter recurso, não tem edital para primeira obra, é geralmente um investimento pessoal com amigos, e fazer essa obra de forma independente e logo depois ser a produtora do “Brega S/A”, estabeleceu um “modelo Greenvision”.

Estes filmes não tiveram recurso mínimo, não tiveram nem isso. Não tinham nada.

O que tu assististe para fazer “Filhas da Chiquita”, lá tem um aprendizado audiovisual, não tem um aprendizado técnico formal.

Assistia uns documentários na época, mas nada em especial, tipo a vou fazer um filme assim nessa linha. Não sabia nada de documentário. Na verdade aquilo ali é a minha caminhada para aprender com eles, cinematograficamente eu só sabia que não queria a câmera voando, que voa em alguns momentos, mas eu vou lá digo: fica quieto! E depois queria fazer uns takes assim (movendo as mãos). Tenho poucas horas de material, poucas coisas gravadas, o Eloi (Iglesias) e saiu aquilo.

O Eloi é uma peça chave no filme.

Ali é um cinema direto, as partes de cinema direto que existem eu fiz muito na intuição também, deixa rolar. Entrevista, cinema direto, ação, eu acho que funcionou. E ficou 50 e 60 minutos. E parece pretensão, vai querer logo fazer um longa! É bom que tu pega logo a peia que é deixar alguém no cinema por uma hora para ver se é fácil, não é fácil. Eu gosto muito desse formato de 50, 60. A gente ainda está muito preso a suporte, muito preso a minutagem.

O DOC TV, o “Serra Pelada”, aquele tempo de edital obrigatório com corte para TV.

Esse ainda não é o “Serra Pelada” que eu quero, meu filme vai ter vinte anos de filmagem mas aquele negócio que tive que entregar do início 52 (minutos) dava.

Com tu adentraste neste universo.

É um filme caro, não é fácil lá no interior. Quebra carro, quebra câmera, quebras as pessoas, elas cobram mais. Acho que a gente fez bacana, não tão diferente para mim que o “Chiquita”. A diferença é que eu consegui pagar as pessoas. No Serra eu também sou tudo, diretora, editora, produtora, e grávida.

Essa ideia de te inserir como um personagem do filme foi desde o inicio ou foi algo que surgiu no processo?

Apareceu, mas foi a coisa que mais ficou prejudicada pela falta de tempo. Porque eu comecei em um mês e já estava com três meses de gravidez, enjoando muito, vomitava em todos os lugares, não conseguia comer nada. E comecei a compreender que o meu olhar estava de acordo com minha situação. Foi aí que tudo começou a se modificar dentro do filme, na hora de filmar mesmo. Minha condição física começou a tumultuar e modificar a forma que eu estava vendo aquele espaço. Comecei a voltar meu olhar para as crianças, pelos velhos, comecei a me preocupar comigo, e indicada pela médica não podia beber água de jeito nenhum, não coma nada que foi feito lá, leve tudo de caixinha por que se não você vai se contaminar e colocar a sua vida e do bebê em risco. E tem milhares de grávidas aqui iguais e mim e como que essas pessoas estão vivendo? A vida além do garimpeiro, a vida da mulher e da criança que vive nesse lugar, e não necessariamente as histórias que tenham vivido há 15 anos atrás, é muito mais importante para mim que qualquer lembrança de como era o garimpo em 1984. A condição real da via daquelas pessoas esperando por algo que mudasse, e tem a sequencia da escola que foi muito doida para mim fazer, eu resolvi ir para escola e não estava no roteiro e disseram: há essa menina não sabe o filme que está fazendo. Disseram isto várias vezes. O Mateus não, mas o Aloysio me deu muitos problemas. O tempo todo desconfiando da minha capacidade.

Eu tenho que estar aberta como diretora nesse documentário, na minha opiniã,  a todas as mudanças, controlar elas, para que elas continuem dando uma narrativa compreensível, construir algo relevante, mas eu não posso estr bloqueada com um negócio que eu pensei há três meses atrás quando eu estava vivendo outra coisa. Eu posso estar errada o tempo inteiro, isso é presente no meu pensamento, tenho que estar aberto a descobertas, de mim mesma. A minha condição de grávida naquele momento mudou todo o meu foco. Era só eu de mulher todos os outros eram homens e minha condição de vir aqui grávida me abre uma série de coisas que ninguém estava vendo.  Então eu preciso mudar isso. Ninguém olhava para aquelas crianças.

O filme do Vitor Lopes, por exemplo, não chega em nenhuma criança, não narra certos que detalhes que o teu filme tem.

Ele se preocupa muito com a macro história e minha intensão alí não era a macro história era essa micro história, essa humanização da pessoa que está ali. Tem uma mulher que fala: aqui não dá para fazer uma unha! Uma mulher envelhecida, aquela mulher me interessou para caramba. Ela tem um tempo no filme porque eu encontrei ela do nada, estava filmando outra coisa e ela estava lá. Começa a falar que ela envelheceu que lá consegue fazer o cabelo, a unha, parece uma coisa fútil mas significa a paixão envelhecendo, emoção morrendo. Meus filhos estão todos para fora para tentar salvá-los , destruo a minha família não posso acompanhar meus filhos. Aquela condição daquela mulher começou a me interessar mais do que eu tinha ido para fazer lá.

Aí muda o filme, pega a câmera e coloca em outra direção.

Coloca cara. Isso que eu estou dizendo. A história do garimpo ela está toda contada em todo canto, desde Os trapalhões até o filme do Heitor (Dalia). Mas o que aquelas pessoas vivem e esperam de verdade e como estar nesse lugar de verdade não tem nesses filmes. Isso para mim ficou mais importante que dizer quantas toneladas de ouro saíram de lá.

E quanto eles enriqueceram, aquelas pilhas de dinheiro.

Não é tão importante isso não. O importante era aquelas pessoas presas por uma esperança de um dia aquilo reabrir e eles conseguirem uma condição melhor de vida. As pessoas presa cara. Por uma ônibus que chega duas vezes por semana, isoladas do planeta terra, numa área contaminada e morando numa ilha. Duas vezes por semana chaga alguém ou sai alguém.

Essa tua vivência com o humano nesse teu documentário, é uma coisa muito forte no “Serra Pelada” talvez tenha uma influência com o projeto que tu fez para o “Raizes” do IAP, para tu fazer o “Salvaterra”. Acaba sendo antropológico também mas é entrar num universo desconhecido, tu percebe inclusive que é uma descoberta.

O legal do “Salvaterra” é que o IAP, eu não tive muito tempo, tive 5 dias só, e tudo muito imediato muita descoberta, uma atrás da outra eu tinha uma série de coisas na mão mas achei muita coisa filmando. Vou fazer o corte que eu acho, meu recorte daquela realidade, aminha aproximação e minha visão. Mas vai chegar lá e alguém vai cortar, isso é dinheiro do governo.

E durante o “Salvaterra” tu já tinha tua estrutura de produção?

Estava montando ainda mas fiz com meu equipamento mesmo.

Essa coisa de filmar a Serra Pelada e o Marajó, te trouxe uma relação de pertencimento, uma vontade de falar mais sobre este lugar nesta tua jornada pessoal.

Eu não consigo pensar em outro lugar. Talvez hoje na minha carreira, até na música etc. o lugar que eu deveria estar trabalhando e morando é São Paulo com certeza, mas eu não consigo. Não consigo pensar absolutamente nada fora do espaço da Amazônia. Eu descobri isso tentando: ah vou pensar uma coisa para fazer em São Paulo, e não consigo. Não consigo ter uma ideia fora deste espaço. Não tenho o menor interesse, pela periferia de São Paulo, do Rio, de Brasília.

(entra o produtor Rafael Regis para levar recibos de pagamento da produção do novo clipe da Gaby Amarantos que estava sendo produzido)

Uma coisa eu entendi sabe, o filme que você vai fazer mais legal é um filme que você realmente tem interesse, principalmente no caso do documentário. Para mim o que aponta o meu novo no documentário, minha nova reflexão do que é filmar, é a verdadeira vontade de pensar e descobrir coisas sobre algo que eu não sei.

Tu não trabalha muito sob encomenda né Priscilla, geralmente tu realiza teus próprios projetos.

Pouquíssimo, até quando faço para publicidade ou tu me dá carta branca, eu exijo uma carta branca, para poder trabalhar. Possa até um institucional e ta, quando eu fiz, fiz lega, fica bacana todo mundo fica feliz, numa boa…

Tem um momento que vocês se voltam para periferia de Belém, onde tinha uma história muito imporante acontecendo, rica e cheia de elementos contemporâneos, pós-modernos, que é o tecno brega. Que começa no Brega S/A (W. Cunha. G. Godinho) e depois tu parte na tua carreira com a Gaby (Amarantos) mais ou menos neste processo de adentrar a periferia. Como surge este processo em ti como realizadora.

Foi como sair de uma bolha. Expandir minha cabeça em relação a cidade ao que nós somos de verdade. Pelo menos 80% da cidade nunca foi pisado. Eu não sabia como era Belém de verdade. Hoje eu acho que sei muito mais. Tenho amigos em tudo quanto é bairro, estava aqui Nazaré, Batista Campos, por mais que eu tenha nascido na Marambaia eu tive carro fazendo todos os trajetos com motorista, tive uma infância muito privilegiada. A partir disso eu quis sair da bolha, e o que estava além da bolha era muito interessante. Existe alegria, diversidade, coisas que eu não via. Muita coisa aprendi nesta periferia. Neste periferia aprendi muita coisa para minha vida profissional inclusive. Uma liberdade e uma felicidade até que eu não via nos outros lugares.

E criatividade dentro dessa precariedade.

Um monte de artista incrível. Um monte de gente fazendo arte com nada. Artistas plásticos incríveis fazem carnaval com nada, quadrilha, que do zero conseguem fazer um negócio imenso. Tirar do seu pouco dinheiro para fazer aquele movimento.

Pássaros também.

Deixam de comer para fazer arte. É a necessidade mais real de se expressar que existe. Minha cabeça fez assim vrá para essas pessoas, quero trabalhar com elas, me identificando muito.

Tu começa fazendo o audiovisual para música com uma pegada mais hardcore.

É Madame (Saatan). Que é uma banda bacana. Isso ainda deu uma confusão. Foi assim não temos um Real, preciso então de um cenário do caralho. E o cenário mais legal que eu acho é de Belém é a Vila da Barca. É incrível. Eu ouço o som de vocês e acho que é um heavy metal mas é um heavy metal do norte, é amazônico, suado, quente, e a ideia deles era fazer um clipe de metal europeu, numa fábrica abandonada, tudo azul, mas eu quero fazer um clipe de metal colorido para caralho, super colorido, super contrastado, quero vocês suando. Essa cidade está na música de vocês.

Qual tua estratégia para entrar nestes lugares abandonados pelo estado.

Agora está um pouco mais difícil pois a violência atingiu níveis que nem nos últimos dez anos tinha visto igual. Eu nunca tive medo em nenhuma dessas áreas e hoje pela primeira vez eu tenho. Jurunas tudo bem, mas tipo Tucunduba, Guamá é complicado hoje, que eu não ouso mais. Alguém precisa ir lá, já corremos risco para caramba, mas nunca aconteceu nada. A gente fez esse negócio com Madame Saatan com 40 pessoas na produção e a gente passou três dias na Vila da Barca, andando e saindo, e os policiais que estão lá são reais, estavam atrés de um bandido, dando tiro e a gente se escondendo com as pessoas. Nunca em nenhuma produção nossa levamos segurança.

Nem no “Live in Jurunas”?

Tinha um cara que fazia a segurança da rua, mas deles (os moradores) não nosso, mas só. E que quis o palco baixo. Diziam que ia dar confusão e eu disse, não vão porque o primeiro a chegar perto do palco são as crianças.

Como surgiu tua relação com a Gaby Amarantos, do “Xirley” pro “Live in Jurunas” e agora com o novo em produção?

A Gaby é minha amiga pessoal desde antes, muito minha amiga mesmo, ia na minha casa, conhecia minha família. O “Xirley” era a força que eu estava dando para minha amiga mega talentosa e que não tinha tido uma oportunidade dessas. Essa história louca tinha que estar lá de alguma forma.

Como foi essa opção por estúdio?

Porque é um plano sequencia igual todas as vezes, e que pudesse modificar todas as vezes. São quatro partes que pudessem ser todas modificadas.

Para mostrar essa evolução.

Exatamente. A casa foi montada, ela sai em alguns momentos, e música muda, a casa foi construída de acordo com quantos passos ela ia dar, eu defini e marquei no chão do estúdio o lugar que ficariam as paredes e onde ela passaria a partir do numero de passos que ela tinha que dar. Por isso não podia uma locação, tinha que ser em estudo.

Eu acredito que tenha sido a maior produção de set em estúdio que já teve aqui em Belém. Porque Belém tem essa coisa de locação real pois nem tem onde construir um set.

Sabe que não pensei nisso.

Fala mais um pouco dessas produções com a Gaby, o “Xirley” como lugar estético e o “Live in Jurunas” como lugar real.

Esse lugar estético eu queria algo que fosse…foi muito difícil chegar onde eu queria esteticamente, porque quem vem trabalhar tem uma formação de design muito clássica, tudo muito clean…eu olhava vi que tava bonito mas não era isso que eu queria. Cara sai, vê como são as coisas do lugar, que tem uma estética própria, o tecnobrega tem uma estética própria de arte gráfica inclusive. Precisamos chegar neste lugar. Aquelas coisas todas que vocês acham horríveis, pôster da Art Ton, as faixas pintadas, peguem isso como referência de arte. É arte da periferia. Pegar essas referencia e traduzir elas para algo que seja compreensível no audiovisual. é uma tradução óbvio. Ela começa a ser a Gaby Amarantos a partir dessa clip. A frase principal deste clipe era para vocês dizerem: que porra é essa?! Tem um monte de verdade ali que talvez ninguém vai ver mas para mim é importante. As coisas que estão lá existem.

Como é tu vê o teu lugar dentro desse cinema paraense, o teu lugar cinematográfico no Pará.

Tá tudo mudando de novo. Eu não consigo ter isso fora daqui, eu sou uma pessoa reclusa, é impossível tu ir na rua e me ver a não ser no supermercado. Torço muito para que venha algo novo, o que falta para gente é coragem. Que é a coragem do moleque. Graças a Deus o que não me faltou até agora foi a coragem de moleque. Quando fiz o “Live in Jurunas” 150 pessoas diziam que ia dar merda, que vai dar 50 mortes, que vai ter gente esfaqueada, que vai ter gente sangrando, que tem que ter 50 ambulâncias da UINMED. Tem sempre alguém dizendo: olha querida não faça que é impossível o que você quer. Eu digo que tem que dar por que eu quero fazer. A gente vai se programar, vai se planejar e na hora nos vamos conseguir. Isso que eu acho que ainda falta. É difícil? Foda-se que eu vou fazer.

Mas planejado?

Sempre, muito planejado. Estamos a uma semana de filmar e tem uma monte de gente aqui, burocracia, formulários e tudo muito organizado, meio maluco mas tudo organizado mas ao mesmo tempo com um risco muito grande. Existem fatores de risco sim e nos vamos encarar eles. Tem o “Chuquita” de quinhentos reais, o “Xirley” que as pessoas tiveram estafa mesmo, passei a dormir cinco, dez minutos por dia, 36 horas acordada.

Quem tu gosta do trabalho aqui, quem tu tem interesse?

Sabe quem eu gostei muito, nos últimos tempos, “A encantada do brega” pois está tentando atingir uma parte da população que ninguém dialoga. Acho que eles vão para frente, eles tem o que dizer. Daí é que vão sair as coisas.

Como tu pensas nessa tua carreira de realizadora no futuro?

“Os Konsiderados” vai virar longa, e meu longa tá pronto. Já tá inscrito em um monte de edital, que é outro baseado na história do meu primeiro emprego. É a hora do meu longa, preciso fazer ele agora.

Para que fazer cinema?

Porque é muito divertido. Porque é necessário, principalmente para gente, que nunca se vê na TV e não se compreende como povo. Qu não tem oportunidade de se assistir, a gente precisa de cinema para caralho, para gente amazônida. A gente não se vê nunca. Nesse aspecto é fundamental para gente.

Seu nome completo, local e data de nascimento.

Priscilla Regis Brasil, Belém, 06-10-1978 

Fale sobre sua formação teórica, técnica e prática em cinema.

Cursei mestrado em comunicação na PUC-Rio, mas não apresentei minha dissertação final. Sou arquiteta, numa época em que esse curso era o mais próximo de qualquer arte. O resto, estava indisponível ou muito incipiente ainda, na cidade. Não estagiei com ninguém, nunca tive a oportunidade de fazer outros cursos, quando comecei. Peguei uma câmera e tentei realizar. Deu certo e continuei. Depois de alguns anos, fui chamada por Werner Herzog para os seminários da Rogue Film em Londres. Aprendi a fotografar, fazer som direto e editar unicamente através de mecanismos on line ou livros, mas nada mais formal que isso. 

Você já visitou, pesquisou ou assistiu filmes em uma cinemateca ou arquivo de filmes?

Já. Inclusive na do Pará. Tenho muito interesse pelos arquivos, mas sempre foi complicado acessá-los, pois sempre estavam indisponíveis, em sua maioria. 

Quais suas principais referências na criação cinematográfica? Alguma do estado do Pará?

Herzog e Spike Jonze.

Quais foram suas realizações, e também participações em produções, em cinema e audiovisual? E no momento atual?

Documentários, em sua maioria. As filhas da chiquita, terra de negro, serra pelada, notas sobre Waldemar. Uma série de videoclipes e experimentações na área musical, com bandas de todo o país. Não participei de nenhum filme de outras pessoas, infelizmente. No momento atual, me dedico a roteiros de ficção.

Quais os principais festivais e mostras que já participou?

Não saberia listar de cabeça, pois sou um pouco desorganizada nesse aspecto. Chiquita passou em mais de 25 países e acabei perdendo a conta de festivais. Em termos de tv, os filmes que dirigi e produzi foram vendidos ou exibidos nos canais GNT, MTV, TV cultura, TVE. Os videoclipes atingiram varias outras redes, inclusive tvs abertas, como a rede globo.

Onde estão guardados seus filmes, material bruto e cópia final? Onde os pesquisadores podem encontrá-los?

Os feitos em fitas, estão em um arquivo bem organizado, dentro da minha produtora. Os materiais brutos deles estão todos intactos. Os digitais estão em Hds, o que me preocupa muito, pois problemas neles podem levar a perda definitiva dos filmes. Há mais ou menos 1 ano, por conta da perda de um deles, resolvi colocar todo o meu material on line, no intuito de disponibilizar facilmente para a pesquisa e, ao mesmo tempo, manter ao menos uma cópia do filme preservada. Estão todos na plataforma VIMEO, onde eu adquiri uma conta profissional.

Como você observa o cinema e o audiovisual paraense contemporâneos?

Desmotivado pela inexistência de politicas publicas para ele. As politicas nacionais ainda são inacessíveis e preveem cotas que jamais são cumpridas. Difícil quebrar essa roda.

 Como você financiou seus projetos em cinema e qual sua opinião sobre os editais e fontes de financiamento públicas atuais.

Os primeiros com investimento próprio (minha mesada, 300 ou 400 reais, no máximo). Depois, via editais como DOCTV ou pela Lei Rouanet. Gosto, em geral, do sistema brasileiro. Só acho que deve haver uma politica de descentralização mais eficiente para que o cinema seja possível em outros lugares do Brasil.

 Sua opinião sobre a substituição da película (filme) pelo suporte digital para captação e projeção de cinema.

Filmei apenas uma vez com película. Para mim, é impensável usar esse material – caro demais e profundamente difícil de finalizar e copiar. Estou filmando em 4k e considero o resultado excelente – além de um modo de baratear as produções. Como guardar isso que vem sendo a grande questão e problema. Tenho tido problemas com a lei de incentivo sobre isso – a Semear, por exemplo, me obrigou a devolver os Hds de armazenagem dos projetos. Eles não entendem isso como um mecanismo de armazenagem de imagens, mas como um bem adquirido pelo projeto. Eu acho irresponsável mandar o realizador devolver o a base de gravação e backup de seus filmes – com isso, tudo se perde, ou temos nós que dispor de uma quantia significativa para recomparar tudo de novo, copiar tudo de novo e devolver algo que estava previsto no projeto. Eu acho isso um absurdo e uma enorme burrice, mas é assim que funciona, hoje. Preocupação zero com o futuro das coisas que fazemos, eu acho. É se prender a um mecanismo de lei e não conseguir atualiza-lo (o que, nesse caso, nao seria nada difícil).

Qual sua opinião sobre a web como forma de difusão do cinema? Você tem experiências de compartilhamento de conteúdo autoral nesse meio?

Acho que tanto web quanto celular, quanto DVD home vídeo, são essenciais pois representam a base instalada do país em relação a exibição. As pessoas consomem audiovisual dessa forma por aqui. Não temos muitas salas – muito menos as que passam conteúdo gerado por nós. Brasileiro não tem cultura de ir ao cinema, mas tem de consumir TV. Por que não lutamos por nosso espaço na base existente? A valorização de nosso trabalho passa por compreendermos como o povo consome, de verdade, o que fazemos. Largar a utopia de como gostaríamos que fosse e encarar o que realmente se tem me parece fundamental para os próximos passos do cinema brasileiro.

Entrevista realizada com Priscilla Brasil, no dia 20/08/2014

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