Januário Guedes

As entrevistas desta seção foram realizadas para dissertação de mestrado de Ramiro Quaresma da Silva, idealizador e curador do site, para o Programa de Pós-graduação em Artes (PPGArtes) do Instituto de Ciências da Arte (ICA) da Universidade Federal do Pará (UFPA), intitulada “O site cinematecaparaense.org e a preservação virtual do patrimônio audiovisual: uma cartografia de vivências cinematográficas”.

januario-guedesEntrevistas com realizadores paraenses

Entrevistado: Januário Guedes

Data: 02 de Fevereiro de 2015

Local: Casa do entrevistado

 

Como foi Januário o início da tua vida com o cinema?

Minha relação com o cinema vem lá de Cametá (PA), com 10 anos a primeira vez que vi cinema na minha vida foi uma projeção na parede da igreja do Perpétuo Socorro, que era um filme levado pelo SESC junto com os barcos hospitais. E levavam filmes de educação sanitária, saúde e no meio alguns documentários, animação. Lembro de um documentário média-metragem de uns caras da Albânia, na segunda-guerra mundial os caras fugindo do comunismo e encontram um navio americano que salva eles. Minha família é grande e não cabia todos em barco, e não dormi pensando nisso. E foi um negócio que me atraiu muito e ficava na expectativa de chagar outro navio, e não tinha televisão.

Depois fui para Macapá (AP) em 1950 e lá já tinha cinema, e passavam filmes mesmo, brasileiros, chanchadas, filmes americanos, faroeste, dramas, e já era cinema mesmo, cartaz na porta e agora eu encontrei um lugar. Na minha turma de colégio tinham dois caras que anotavam tudo em cadernos, comecei a me interessar pelo nome dos diretores, então a gente estabeleceu uma relação de amizade. Vim para Belém estudar no Paes de Carvalho, participava da Juventude Católica, ensino médio, depois na Universidade…a Igreja Católica tinha uma estratégia interessantíssima para atrair jovens, os cineclubes, uma experiência que veio da Itália. E aqui em Belém através de movimentos da ação católica e começou no meio da juventude estudantil incentivou os cineclubes. Já havia antes o cineclube Os Espectadores, criado pelo pessoal que pertenceu a ação católica, Amilcar Tupiassu, Roberto Santos, anterior a nossa. Nessa época o Padre Raul criou a Casa da Juventude, 1959, e criou lá um cineclube e a gente participava dele, Pedro Romiê, Arnaldo Parado Jr., pessoal que morava na casa. Até pensei em fazer mais era muito difícil, o Renato Tapajós fez Vila da Barca.

Eu tive a oportunidade de estra no set de filmagem de uma grande produção, “Os Bandeirantes” de Marcel Camus, tinha feito “Orfeu Negro”. E passaram três dias filmando, entre outras locações, na Cidade Velha, na Joaquim Távora no quarteirão onde eu estava morando, fecharam para fazer o filme. Passei três noites acordado e foi a minha primeira aula de cinema na prática em uma grande produção francesa. Uma coisa engraçada é que ainda tinha a estrada de ferro e filmaram o personagem embarcando só que ele viajava para Fortaleza (CE), e quando o filme passou no Cinema Nazaré, o filme tinha sido feito aqui e lotou o cinema, e na hora que pegam o trem aqui e descem em Fortaleza o povo gritava: É mentira! Isso não existe!

Na universidade fiz Farmácia e Bioquímica, e no último ano fui para o Rio paro Encontro Nacional da Juventude Católica, lá encontrei pessoas como Frei Betto, Frei Tito, e entrei em contato com Cosme Alves Neto amazonense que já estava mexendo com cinema, que depois foi curador da Cinemateca (MAM), uma pessoa generosa e me pegou pela mão e me apresentou para todo mundo.

Vi na época que estava lá foi lançado do Líbero “Um dia qualquer”, e convidei o pessoal para ver o filme da minha terra. A gente estava num momento de filmes do Bergman. Eu sempre digo que o Líbero passou muitos anos sem fazer cinema desse o cinema mudo e muito coisa mudou e na época que ele retoma, já existia a Nouvelle Vague, o Cinema Novo, e ele estava defasado com uma narrativa muito primária. E o pessoal comigo dizendo que o cinema da minha terra estava atrasado e eu fui afundando na cadeira. E eu fiquei puto na época, hoje eu reconheço que o filme tem outra qualidades, de mostrar a cidade. E engraçado que depois o Relivaldo (Oliveira) escreve um livro comparando o meu “Ver-O-Peso” com “Um dia qualquer” do Líbero, publicado pelo IAP. Um parênteses, na mesma época um amigo comentou que viu na banca de DVDs piratas o “Curtas paraenses” perguntando se era para tomar providencias e coisa e tal e eu disse que era a glória, estar na academia e na banca do Ver-O-Peso. Aí eu vim para Belém e resolvi fazer cinema, comecei a participar de festivais e disse: vou comparar uma câmera de 16 (milímetros) de corda, Paillard-Bolex do José Carlos Avellar, o crítico. Trouxe para Belém e com essa câmera começamos a fazer filmes em 16, com o Chico Carneiro por exemplo, um filme que ele fez “Quimera” foi feito com essa câmera. A câmera rodou de um lugar para outro.

Vocês editavam como os filmes?

A gente paraticamente filmava editando, quem revelava era o Milton Mendonça, bem aqui na (rua) Serzedelo. A gente consertava a câmera com o Fernando Melo, que conhecia o Líbero Luxardo, que olhava para gente assim do alto. Tinha um visor, que não era uma moviola, comprei um visor em Caiena em uma de minhas viagens, era francês, ela te dava numa tela uma ideia do movimento e você podia cortar. Isso na década de 1970. Em super-8 editando da mesma forma. Aliás, esse tinha duas cabeças para 16 e 8. Continuamos, rodou a década de 1970 e fizemos festivais, participamos da Jornada da Bahia.

Vocês exibiam em Belém esses filmes?

Você tinha as sessões de cineclube, os do Chico a gente exibia na Odontologia (Faculdade) em Batista Campos (bairro) que tinha um auditório, cineclube da APCC. Lá também foi aquele episódio dos lencinhos brancos. Nos festivais aqui e fora daqui. Na Jornada da Bahia, onde foi fundada a ABD, eu estava lá na fundação, Sílvio Da-Rin, e veio a ABD para cá também. Nessa época que fazia super-8, quem fazia em 16 era o Chico Carneiro e eu, fazia Jesus (Paes Loureiro), Moraes Rêgo, esses filmes a maioria deles se perderam inclusive os meus.

Aí chegamos na década de 1980. Quando apareceu por aqui trazido pela Casa de Estudos Germânicos, que era brasileiro Pedro Jungman mas que tinha ido para Alemanha e lá montou uma produtora, todos os equipamentos e vindo para o Brasil acabou parando em Belém para fazer uma mostra de cinema com os filmes dele e dessa conversação toda, e o tema Amazônia, e aí veio para Belém com o equipamento todo e fez um curso na Universidade de 300 horas., de especialização, que a gente fez. Jorge, Chikaoka, Sõnia Freitas, Peter Roland, Paulo Chaves, e esse curso deu origem a alguns filmes, “Caiera”, da Sônia e Peter Roland e todo mundo, o outro “Mala Brasileira” que se perdeu.

Como eram o “Caiera” e o “Mala Brasileira”, nunca vi esses filmes.

Tinham uns fornos de carvão ali na Terra Firme e foi um documentário sobre essa produção, do trabalho, e o do Paulo era uma ficção, meio artístico, era o nome de uma loja na frente do Ver-O-Peso. Esses dois chegaram a ser feitos. Não sei por onde andam. Mas o que aconteceu, não deu certo a empreitada do Pedro Jungmann e aí ele pegou e resolveu vender os equipamentos e a gente se mobilizou para que esse equipamento ficasse aqui, moviola e câmera. Nesse momento o Amir Gabriel tinha sido nomeado prefeito pelo Alacid Nunes, e aí o Paulo Chaves foi para CODEM, amigo do Almir, e João de Jesus Paes Loureiro era da SEMEC, educação e cultura do município, e eu conehci o Kalil que era presidente da EMBRAFILME, que pagou uma parte e a prefeitura pagava a outra, e criamos o CRAVA, Centro de Recursos Audiovisuais da Amazônia, quando se definiu esse convenio ele foi criado. Funcionava dentro do espaço da SEMEC, na (rua) Benjamim , espaço para moviola, espaço para os equipamentos, o auditório da SEMEC. Aí o primeiro curso de cinema mais técnico e trouxemos um pessoal de fora para ministras aulas em vários setores, fotografia, produção, edição, e eu coordenei esse curso e o CRAVA também, e esse curso deu origem ao “Ver-O-Peso”. O esboço do roteiro foi meu, e a direção como era um treinamento, uma cena a Sônia (Freitas) dirigia e outra o Peter (Roland), e eu dirigi o resto. A edição foi minha. Eu considero um filme meu que eles participaram. Desse curso participou de fotografia Diógens Leal, Peter Roland e o Gerson Barros, na produção era Moisés Magalhães…tem aí a ficha? (consulta meu texto de qualificação), Ana Catarina e Anibal Pacha. Depois tinha na edição o Miguel Chikaoka, o Aníbal também, e a Ana Catarina. Música o Albery, é isso! E ganhamos o prêmio no Festival de Fortaleza – CineCeará de Som. Eu tava lá e o pessoal do júri que me conhecia e queria premiar o filme, e nas outras categorias tinha gente de peso e no deram o som.

Ele foi todo feito com os equipamentos do CRAVA?

Até o primeiro corte sim, depois foi para o Rio para fazer a edição final, a mixagem, e o Moisés foi pro Rio para acompanhar lá. E o que aconteceu, depois disso, o CRAVA foi o momento da passagem do super-8 para uma coisa mais profissional com equipe e vieram uma série de filmes feitos com aquele equipamento. Edna Castro, “Marias da Castanha” depois “Fronteira Carajás”, o Moisés fez o “Carro dos Milagres”…

Aí passou um tempo não, até o Ronaldo usar no “Lendas Amazônicas”?

Sim.

E depois segundo relatos esse equipamento de acaba. Usavam um gravador Nagra.

Isso, um Nagra. Esse equipamento não estava nem tombado. Eu viajei para fazer Mestrado no Rio e ficou no Museu da Universidade primeiro, depois foi para o porão do Conselho do Negro. E jogaram fora.

Eu sei que o Diógenes (Leal) tem a câmera e o Nagra.

A moviola, o som, a luz, mas não só isso, os filmes também, os meus, do Jesus, que estavam no CRAVA.  Eu tenho uma cópia toda avermelhada do “Ver-O-Peso” que nunca mais abri. E ficamos só com a câmera e o Nagra, ainda bem que conseguimos salvar. De todos os filmes que foram feitos pelo CRAVA, o único que permaneceu vivo digamos assim foi o “Ver-O-Peso”, algué copiou e colocou na internet e tem uma porrada de visualizações. É engraçado isso, que se tornou atemporal, a proposta narrativa é atemporal.

Eu imagino que a escolha do icônico Ver-O-Peso para ser o tema desse filme foi meio óbvio.

Eu tinha um sonho de fazer um filme sobre o universo do Ver-O-Peso era a até aquela época um local síntese dessa cidade, o encontro do ribeirinho e a metrópole. Eu não queria que fosse documentário, é trazer um personagem que não é um mendigo é uma figura emblemática, um mendigo cinematográfico. Aí você tem a liberdade de criar mais.

E como o objetivo era ensinar a ficção era perfeito para exercitar roteiro e etc.

Eu trouxe o roteiro do mendigo e começamos a discutir. Essa cena, por exemplo, foi sugestão da Sônia. Tem essa coisa do aristocrático com manga da camisa puída. Eu já tinha essa imagem. Aí o pesquisamos depois o poema para encaixar na cena. Aquele poema que o mendigo fala no Mercado de Carne é do Felipe Patroni. Eu gostaria de fazer um trabalho sobre Felipe Patroni, é uma figura.

Em 1990 já vem uma outra etapa do curso, a ABD era forte nessa época, e pressionamos e vieram o editais.

Acho que tem um filme antes disso o Olympia da Val Sampaio.

Os equipamentos já estavam lá no Museu da Universidade e curso foi lá e dele saiu o curta chamado “Olympia”, com esse equipamento também. Uma nova geração que começa a surgir.

Tu nunca viveste de cinema né Januário?

Nunca, fiz Farmácia e Bioquímica e me especializei em Biologia Marinha, e fundei um grupo de pesca no IDESP, era o momento de implantação da indústria pesqueira. O cinema em paralelo, até 1975 trabalhava no departamento de pesca. Chefiava projeto de pesquisa. Num dado momento eu pensei o que que eu quero e tentei fazer isso. Em 1979 o Cacá (Diegues) veio fazer o “Bye Bye Brasil” e me convidaram para acompanha-los. Depois veio o (Werner) Herzog que acompanhei também na pré-produção em Belém, passei dois dias com ele aqui. Queria coisas e roupas antigas, não conseguimos nada.

Depois tu passaste a dirigir documentários eventualmente.

Eu fiquei muito tempo cuidando de política cinematográfica, mais discutindo do que fazendo. Uma vez eu pensei, briguei tanto por um cinema. E cheguei depois a fazer com o Allan Kardek, o “Belém aos 80”, e também um documentário de patrimônio do Círio de Nazaré para o IPHAN. Passei a trabalhar com televisão, política.  Fiz uma ficção do Castelo Branco chegando em Belém, o Gondim que fez, o Castelo desembarca no Ver-O-Peso vestido como no passado. Fizemos também “Belém, Metrópole das luzes”, é um institucional com uma licença poética, Belém sua história, sua arquitetura e começa com aquela música “te trago da minha terra, o que ela tem de melhor”, o resto vai pesquisar.

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